Nós que somos filhos estamos muito acostumados a ocupar um lugar de ser cuidado. Mas conforme os anos passam, nós começamos a entender que nossos pais estão envelhecendo mais e mais a cada dia, e que em breve nós também iremos tomar o posto de cuidadores deles. E é justamente sobre essa “espera” que se trata a ansiedade filial que iremos abordar nesse texto hoje.
Ansiedade filial: o anseio do cuidado
Cuidar de um filho é um processo natural e esperado! Inclusive na maioria das vezes é um processo planejado, de forma que apesar de não haver um manual de instruções para lidar com as situações, algumas pessoas contam com uma rede de apoio para este cuidado, pois criar uma criança nunca é um ato isolado, sempre envolve as pessoas do convívio dos pais.
O cuidado com os pais, por outro lado, nem sempre é algo tão natural e muitas vezes não é esperado. Isso porque a maioria de nós torce que os pais tenham um envelhecimento ativo, independente, a fim de que possam realizar as atividades da vida diária sem precisar de muito suporte.
O primeiro suporte necessário para as pessoas idosas é o suporte tecnológico e financeiro, pois são duas áreas de maior necessidade de administração, capazes de gerar desconforto e que sem um suporte de outra pessoa pode causar danos e prejuízos. Essa também é uma das preocupações que os filhos esperam ter com seus pais, é natural e é fácil de ser administrada, onde pode contar até com a ajuda de profissionais da área e com os próprios netos no quesito tecnologia. Mas há outras preocupações que nós não esperamos ter, na verdade desejamos não ter, e é justamente sobre essa que iremos falar!
A ansiedade filial é um termo acadêmico que estuda o fenômeno da expectativa dos filhos da meia idade de cuidarem dos seus pais mais velhos. Isso acaba gerando uma sobrecarga por antecipação de quais serão as medidas que deverão ser tomadas, e por vezes pode até gerar uma mudança de comportamento em relação aos pais.
Como lidar com a ansiedade filial?
A melhor forma de lidar com a ansiedade filial, a ameaça dos pais se tornarem dependentes, é uma conversa aberta sobre o tema com a família e um bom planejamento. Nós não podemos definir as circunstâncias da vida, mas podemos claramente nos preparar para elas e essa é a melhor forma de lidar com uma possível necessidade de cuidados com os pais.
É muito importante que isso seja conversado como uma hipótese, a fim de garantir que a pessoa idosa possa se manifestar sobre os manejos e a forma como ela gostaria de ser tratada, quais são os seus desejos, quais são as medidas que ela gostaria que fossem tomadas ou aquelas que ela não deseja de forma alguma, a fim de que algumas coisas estejam possam ficar clara.
Um exemplo de tópicos de conversas para lidar com a ansiedade filial:
– Discussão sobre como a pessoa enxerga a dependência: castigo ou condição?
Esse é um ponto muito importante, pois algumas pessoas (principalmente mais religiosas), veem a dependência como uma forma de punição e enxergam esse momento como se estivessem sendo prejudicados. Isso dificulta e muito o cuidado! Além, é claro, de ser um fator que pode desencadear diversas doenças emocionais como a depressão. É necessário poder falar sobre isso e entender como a pessoa idosa encara essa condição, a fim de que isso seja desmistificado, caso venha a acontecer.
– Cuidados em casa ou em um residencial sênior?
A estrutura dos cuidados difere muito dos cuidados na própria casa para uma estrutura residencial para pessoas idosas, é necessário compreender quais são os anseios e qual é a visão da pessoa idosa sobre isso, a fim de poder apresentar os prós e os contras de ambos os locais, poder conhecer instituições, para caso um dia seja necessário, possuir informação e conhecimento sobre esse tipo de serviço, além de elaborar uma simulação financeira de custos, gastos, para não ser pego de surpresa caso a necessidade venha a surgir.
Por se tratar de uma conversa mais hipotética, sem riscos reais, a pessoa idosa pode se apresentar muito menos agressiva, muito mais aberta para um diálogo, já que não é uma situação definitiva e concreta, sendo capaz de escolher rotas, caminhos, espaços e ter plena consciência de como seus familiares irão agir, caso ela precise de maior suporte.
A angústia de ocupar o papel de pai do próprio pai
Existem muitos estudos que apontam na angústia de muitos filhos em ocuparem o papel de “pais” do seu genitor. Mas devemos deixar claro aqui que a pessoa idosa em uma condição de dependência não se torna filho! O filho é alguém que nós criamos para saber sobre a vida, sobre o mundo, é alguém que nos acompanhamos o crescimento, é alguém que ainda precisa de orientação, o que já não é o caso da pessoa idosa, devemos sempre ter em mente que essa “infantilização” não é benéfica para ambos os lados (temos uma matéria completa no blog sobre esse tema, clique aqui para ler).
A pessoa idosa, independente da sua condição cognitiva, é capaz de expressar os seus desejos e eles devem ser respeitados sempre! Isso principalmente quando a pessoa idosa tem uma opinião divergente da dos seus filhos, devemos levar em consideração que não sendo uma decisão que põe a vida da pessoa em risco, ela deve ser respeitada e acatada, pois esse é um dos maiores desafios que os filhos enfrentam quando passam pelo período de cuidados intensivos com pais em situação de demência.
Devemos levar em conta que nem tudo é cuidado, por mais que tenhamos muito amor e carinhos pelos nossos genitores, o cuidado não pode cercear as suas escolhas e os seus desejos, por mais que algumas escolhas não seja do agrado dos filhos, ainda sim devem ser respeitadas.
O olhar para além da dependência
Ninguém quer ver os pais em uma condição vulnerável! É claro que isso nos faz lembrar de que eles não estarão aqui para sempre, mas isso também nos ajuda a não esquecer que os momentos são passageiros, assim como tudo na vida e por isso devemos aproveitar mais, saber valorizar todos os momentos, compreender a importância de fortalecer esse vínculo, independente das circunstâncias.
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