“Depois que envelhece volta a ser criança!”: Por que a infantilização do idoso é errada?

Muitas pessoas têm o costume inofensivo de tratar as pessoas idosas como criança. Nós sabemos que muitos até são discípulos do famoso senso comum de que “pessoas idosas voltam a ser crianças”. Mas a verdade é que isso é um mito popular que as ciências que estudam a demência vêm tentando combater.

 

O idoso não volta a ser criança, ele continua envelhecendo!

Para quem já assistiu o famoso filme, ganhador de três prêmios do Oscar, chamado “O Curioso Caso de Benjamin Button” sabe que isso, geneticamente, é impossível! Nós não nascemos, crescemos, envelhecemos e depois começamos tudo de novo! O que é um fato, é que o processo de degeneração cognitiva, a famosa demência, causa sim algumas mudanças de comportamento, mas isso não nos faz voltar à infância.

O que a demência é capaz de nos causar, é uma regressão de algumas ações primitivas. Isso é o mesmo que acontece nas crianças em sua fase inicial da vida, porém as posturas, as causas e até as manifestações dessas ações são completamente diferentes.Um exemplo para elucidar o que quero dizer:

A criança não come brócolis, porque sente um cheiro que não lhe agrada, a cor lhe parece estranha. Ela rejeita e faz birra, pois ainda não compreende os limites das suas ações em um caráter social. Ela ainda não sabe até qual será a reação da mãe em relação ao fato dela não aceitar algo, então ela chora, ela bate o pé, ela grita, pois ela está em uma fase experimental de ações e reações, testando os seus cuidados para ver as suas reações.

A pessoa idosa que rejeita um alimento tem a plena consciência do que ela não quer. Ela já compreende exatamente o motivo de não querer fazer determinada função. Deste modo, quando ela reage de forma agressiva, geralmente é pelo fato do seu cuidador insistir que ela tem que fazer determinada função. Não é uma reação infantilizada! Ela não está testando os limites do cuidador. Na verdade ela própria se sente testada em ter que aceitar coisas que ela não quer fazer.

É importante termos clareza de que a pessoa com demência tem plena clareza, e isso já foi comprovado por diversos estudos científicos, dos seus gostos, seus desejos e suas preferências, diferente de uma criança que ainda está na fase em que tudo é um grande experimento.

 

Os idosos são tão fofinhos: um tratamento infantilizado prejudicial

O tratamento infantilizado, como foi dito anteriormente, geralmente tem um caráter pouco ofensivo. Muitas vezes na verdade é uma forma de demonstrar carinho, nós sabemos. Porém, pense pelo seguinte aspecto: imagine você, debilitado, fraco, ser tratado de uma forma que exponencia ainda mais a sua fragilidade. Isso não é fofo, isso é incômodo!
Ok, pode ser que você conheça algum idoso que não se sente incomodado! Mas no caso dele não se sentir incomodado e ter gosto por esse jeito infantilizado de ser tratado, a grande problemática é que ele passa a ter uma dependência aprendida. Ou seja, já que ele é tratado como uma criança, ele passa a agir como uma criança e isso rapidamente se torna um quadro de sobrecarga ao cuidador. Isso porque o idoso passa a ter menos autonomia, começa a esperar que os outros façam as coisas por ele e assim, passa por um processo que pode ser cruelmente rápido de degeneração cognitiva e até mesmo muscular.

Exemplo: uma mulher de 70 anos debilitada, com pouca força nos membros inferiores, com um semblante meigo, ela passa a ser tratada como uma criança e passam a pegar ela no colo para sair da cama e ir para a cadeira de rodas e vice-versa. Ela passa então a cada vez menos fazer uso desses membros e ficar cada vez mais dependente, ou seja, a deterioração dos seus membros vai avançando cada vez mais.

O pronome de tratamento no diminutivo também é um exemplo, mas num caráter mais emocional, em que muitas vezes pode parecer inofensivo, mas pode ser muito incômodo e trazer uma sensação de diminuição do papel da pessoa na sociedade. Uma sensação que alguns idosos relatam é de humilhação. Alguns chegam até a se considerar um incapaz por ser tratado dessa forma. É um relato um pouco duro, mas devemos sempre nos colocar no lugar da pessoa que vivencia essa experiência e ponderar se seria esse o tratamento que gostaríamos de receber.
Embora seja uma forma carinhosa de falar, devemos ponderar que existem muitas outras formas de sermos carinhosos sem exagero, sem colocar a pessoa em uma posição inferior de cuidado, muito menos de infantilização.

 

Evite o tratamento infantilizado, ofereça um tratamento respeitoso

Evite: palavras no diminutivo ou expressões infantilizadas.
Exemplo: Oi dona Aninha, bom dia! Tá melhorzinha daquela dor chata no seu joelho? Olha, eu trouxe o seu papá para você comer, mas olha, tem que comer tudinho para ficar forte, viu? Porque senão eu vou ficar muito brava com você!
Substitua por: Chamar a pessoa pelo nome, usar palavras claras e respeitar o tempo da pessoa em responder.
Exemplo: Bom dia, Dona Ana, como vai? Sente-se melhor das dores no joelho? Eu trouxe o seu café da manhã. Eu preciso que a senhora me ajude a se sentar para poder tomar o café. Tudo bem?
Evite usar um tom de voz infantilizado, com falas erradas. Substitua por um tom de voz calmo e sereno, capaz de transmitir tranquilidade para a pessoa idosa. Isso irá oferecer muito mais potencial para que o cuidado seja realizado sem conflitos.

A substituição da forma de tratamento é importante para garantir que o idoso se sinta valorizado, perceba que é respeitado pela sua idade e trajetória e não diminuído pela sua fragilidade. Devemos sempre lembrar que por trás de qualquer doença existe uma pessoa, uma história, uma longa trajetória de vida e por isso devemos repensar as nossas ações. Isso porque por mais que ela possa ter um caráter benéfico para nós, para a pessoa que recebe não é a mesma impressão que se passa. Devemos compreender a importância de preservar a sua dignidade.
A forma de tratamento infantilizada também passa uma impressão de desvalorização da sua história, como uma regressão ao período infantil em que a criança não sabe nada, só tem a aprender com as outras pessoas, ou seja, oferece uma perspectiva de apagamento de tudo que aquela pessoa adquiriu de conhecimento ao longo da sua vida.
Além disso, uma relação mais respeitosa garante o fortalecimento de vínculos entre o cuidador e a pessoa cuidada, o que gera maior sensação de bem-estar para ambas as partes envolvidas, além de fortalecer a autonomia da pessoa idosa.

 

Lidar com a “birra” da pessoa idosa”

Quando nós falamos que infantilizar a pessoa idosa é errado, todos os aspectos que envolvem a sua infantilização devem ser desconstruídos. E como já foi citado anteriormente: o idoso em momento algum faz birra! Ele apenas expressa o seu descontentamento com alguma situação, assim como as crianças, os jovens e os adultos. Porém, muitas vezes ele está em uma posição em que não consegue ser respeitado e nem ouvido, por isso se torna agressivo e irritado.

Inicialmente é necessário compreender o motivo da sua recusa em determinada ação. Se ele se recusa em tomar banho, devemos compreender qual é a sua dificuldade, falta de desejo, resistência em tomar banho. Ele não gosta de tomar banho naquele horário? Ele toma banho sentado e preferiria tomar banho em pé? A temperatura da água não lhe agrada? A forma como os profissionais manejam o banho lhe incomoda? Tudo isso deve ser levado em consideração para compreender quais são as estratégias que devem ser adotadas com a pessoa idosa.
Nem com uma criança devemos agir com autoridade, como o exemplo popular do “não, porque não, porque eu sou sua/seu mãe/pai”, sem dar uma devida explicação para a criança do motivo de alguma negativa ou do impedimento de uma ação, muito menos com uma pessoa mais velha devemos agir assim. Quando não for possível atender o pedido da pessoa idosa, é necessário compreender a melhor forma e melhor hora de comunicar essa informação, garantir um tom de voz calmo, permitir que a pessoa expresse a sua indignação, afinal, todos somos seres que em alguns momentos nos sentimos insatisfeitos, e buscar a melhor forma de contornar aquela situação.

 

Cuidar da pessoa mais velha é cultivar o seu próprio futuro

Devemos pensar que a forma como você trata as pessoas mais velhas! Principalmente em frente às crianças, é cultivar a forma como você quer ser tratado no futuro, então reflita se daqui há alguns anos, quando você estiver completando uma idade mais avançada, você se sentirá a vontade em ser tratado de forma infantil, ouvir uma pessoa com metade da sua idade falando com você como se fosse um bebê. Eu acredito que nenhum de nós gostará de sentir que perdemos a dignidade diante de um tratamento como esse, então a mudança deve começar em nós mesmos, para que essa prática não seja disseminada.

 

No Terça da Serra a nossa maior preocupação é oferecer um atendimento individualizado e respeito para todos os idosos, onde os cuidadores passam por um treinamento interno para garantir a excelência no cuidado com a pessoa idosa, venha conferir um dos nossos residenciais e conferir!

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